Gabriel Bigaiski
16 de maio de 2025
Bater Ponto e Continuar Trabalhando – Posso Pedir Hora Extra?

Você bate o ponto no final do expediente, mas continua ali: termina uma tarefa pendente, responde e-mails, participa de uma reunião rápida ou até aguarda o transporte fornecido pela empresa. Pode parecer normal no dia a dia do trabalhador, mas isso é ilegal.
Se você bate o ponto e continua trabalhando, mesmo que “só por alguns minutos”, saiba que a empresa pode estar descumprindo a legislação trabalhista — e você pode ter direito ao pagamento de horas extras.
Mas atenção: não basta apenas alegar. Para garantir esse direito, você precisará
comprovar que isso acontecia com frequência, e para isso, testemunhas serão essenciais.
Neste artigo, vamos explicar: o que é o cartão ponto e para que serve; o que é hora extra; por que é ilegal bater ponto e continuar trabalhando; quando é possível pedir hora extra e como provar isso na Justiça do Trabalho.
Boa leitura!
Sumário
1. O que é o cartão ponto?
O cartão ponto é um instrumento de controle da jornada de trabalho, que pode ser físico (cartão de papel ou mecânico) ou eletrônico (sistemas digitais, aplicativos, biometria etc.).
Ele serve para registrar os horários de entrada, saída e intervalos dos trabalhadores, e é obrigatório para empresas com mais de 20 empregados, conforme o artigo 74 da CLT.
Esse controle é fundamental para garantir que o empregador respeite:
- A jornada legal de trabalho (normalmente 8 horas por dia);
- O limite de horas extras;
- O intervalo para repouso e alimentação;
- E o tempo total de descanso entre jornadas (intervalo interjornada).
Em teoria, o ponto deveria refletir a realidade da jornada de cada trabalhador. Mas na prática, nem sempre isso acontece.
2. O que é hora extra?
Hora extra é todo o tempo trabalhado além da jornada contratual ou legal.
A regra geral prevista na CLT é:
“A jornada de trabalho não pode ultrapassar 8 horas por dia ou 44 horas semanais, salvo acordo ou convenção coletiva.”
Se o trabalhador ultrapassar esse limite, ele tem direito a receber a hora extra com adicional de pelo menos 50% sobre o valor da hora normal.
Exemplo: se a hora normal vale R$ 10,00, a hora extra deve ser paga com pelo menos R$ 15,00. Em domingos e feriados, esse adicional pode ser ainda maior (100%).
Mas atenção: mesmo os minutos excedentes ao final do expediente podem gerar direito ao pagamento — desde que não sejam considerados “tempo de tolerância” (até 5 minutos antes ou depois do ponto, limitados a 10 minutos diários, conforme artigo 58, §1º da CLT).
3. Por que é ilegal bater o ponto e continuar trabalhando?
Bater o ponto e continuar trabalhando é ilegal porque esconde a jornada real do trabalhador.
Quando o trabalhador bate o ponto, o sistema entende que ele encerrou suas atividades. Mas se ele continua à disposição da empresa, realizando tarefas, participando de reuniões ou operando sistemas, esse tempo deveria constar no registro de jornada.
E por que isso acontece?
Na prática, muitas empresas:
- Impõem metas excessivas e esperam que o trabalhador “dê conta” mesmo sem hora extra registrada;
- Orientam os funcionários a bater o ponto e continuar “só mais um pouco”;
- Criam um clima de pressão ou medo de retaliação para evitar marcações reais;
- Ou simplesmente desconsideram o tempo pós-ponto, tratando como se fosse “boa vontade”.
Esse comportamento fere diretamente os direitos do trabalhador, porque o tempo trabalhado não está sendo pago e não é computado para descanso, férias, FGTS ou 13º.

4. Bati o ponto e continuei trabalhando. Posso pedir hora extra?
Sim, pode pedir — e a Justiça do Trabalho já reconheceu em vários casos que o tempo de serviço após o registro do ponto gera direito a horas extras.
Mas aqui entra um ponto importantíssimo: você precisará comprovar isso.
Não basta simplesmente alegar. Como os registros do ponto não mostram esse tempo adicional, será necessário apresentar outras provas no processo.
5. Como comprovar que eu trabalhava depois de bater o ponto?
Como o ponto já foi encerrado, a única forma de mostrar que você continuava trabalhando é por outros meios de prova.
As duas principais formas são:
✅ a) Testemunhas
Essa é a prova mais comum e mais aceita nos processos trabalhistas. Você pode indicar colegas que:
- Trabalhavam com você no mesmo setor;
- Presenciaram você trabalhando após o ponto;
- Sabem que havia uma orientação da empresa para continuar o serviço;
- Ou que também passavam pela mesma situação.
Essas pessoas serão chamadas para depor na audiência. O juiz ouvirá os relatos e decidirá se o depoimento é suficiente para descaracterizar o ponto e reconhecer o tempo extra.
Importante: as testemunhas não podem ser familiares nem subordinados diretos, e o ideal é que tenham vivenciado a mesma realidade.
✅ b) Outras provas
Além de testemunhas, outros documentos podem ajudar:
- E-mails ou mensagens de WhatsApp trocados com chefes depois do ponto;
- Câmeras de segurança mostrando sua permanência no local;
- Relatórios de sistema com atividades pós-jornada;
- Prints de sistemas internos;
- Registros de acesso ao prédio, crachá ou sistema.
Tudo isso pode ser analisado pelo juiz, em conjunto com o depoimento das partes e testemunhas.
6. E se eu era obrigado a continuar, mas não tinha como provar?
Infelizmente, isso acontece com frequência. O trabalhador sabe que estava sendo lesado, mas a empresa foi cuidadosa ao não deixar rastros — e muitas vezes, os colegas também têm medo de testemunhar.
Nesses casos, a chance de sucesso no processo diminui, mas ainda não é impossível.
O ideal é começar a registrar tudo desde agora, mesmo que você ainda esteja na empresa. Guarde:
- Print das tarefas que você entrega fora do expediente;
- Print de mensagens que mostram ordens de serviço após o ponto;
- Registros de login e logout de sistemas internos.
Com o tempo, esse conjunto de provas pode ser suficiente para fundamentar um processo.
7. Esse tempo “por fora” conta para outros direitos?
Sim. Todo tempo que você trabalhar após o ponto, mesmo que não seja pago, pode refletir em outros direitos trabalhistas, se reconhecido judicialmente.
Se a Justiça entender que você realmente trabalhava após o ponto, você poderá receber:
- Horas extras retroativas;
- Reflexos no 13º salário;
- Reflexos nas férias + 1/3;
- Aumento no valor do aviso-prévio indenizado;
- Diferença no FGTS;
- E, dependendo do caso, até indenização por dano moral (se houver abuso ou fraude evidente).
8. Exemplo prático para entender melhor
A Ana trabalha como analista administrativa. Seu expediente termina às 18h, e ela bate o ponto certinho todos os dias nesse horário. No entanto, todos os dias ela continua trabalhando até 18h45, finalizando planilhas, respondendo e-mails e preparando relatórios. Isso já acontece há mais de 2 anos.
Um dia, Ana é demitida. Ela procura um advogado e entra com uma ação cobrando as horas extras que fazia depois do ponto.
No processo, uma colega de setor confirma que isso acontecia com frequência, e que a chefia exigia esse comportamento.
O juiz reconhece que havia tempo extra habitual não registrado e condena a empresa a pagar:
- 45 minutos extras por dia (de segunda a sexta);
- Reflexos em 13º, férias e FGTS;
- Multa do artigo 477 por pagamento incompleto da rescisão.
Esse tipo de decisão é cada vez mais comum na Justiça do Trabalho.
9. A empresa pode ser penalizada por isso?
Sim. Além de ter que pagar todos os valores retroativos, a empresa pode ser penalizada por:
- Fraude no controle de jornada (art. 9º da CLT);
- Descumprimento de convenção coletiva, se houver;
- E, em alguns casos, pode ser obrigada a pagar multa por atraso na rescisão ou verbas omitidas.
O comportamento de forçar o trabalhador a bater ponto e continuar trabalhando pode ser interpretado como conduta abusiva e fraudulenta — e isso pesa muito na hora do julgamento.
Conclusão
Bater o ponto e continuar trabalhando gera hora extra? Sim, desde que fique provado que o trabalhador continuava à disposição da empresa após encerrar o ponto.
Esse tipo de situação é ilegal, pois esconde a real jornada de trabalho e prejudica o trabalhador em diversos direitos.
Se você vive ou viveu isso na empresa, procure orientação com um advogado trabalhista. É possível que você tenha direito a receber valores significativos pelas horas extras feitas “por fora”.
E lembre-se: testemunhas são essenciais nesses casos. Se você não pode provar sozinho, converse com colegas que passaram pela mesma situação. Seu direito pode estar mais próximo do que imagina.

Advogado Trabalhista natural de Curitiba, atua somente na defesa dos trabalhadores, graduado pela Faculdade de Educação Superior do Paraná, inscrito na Ordem dos Advogados do Paraná sob o número 98.914.