Gabriel Bigaiski
21 de maio de 2025
Artigo 74 da CLT: o que diz a lei sobre o controle de jornada de trabalho e por que isso importa para o trabalhador

O controle da jornada de trabalho é uma das principais garantias do trabalhador com carteira assinada. Saber quando se entra e quando se sai do trabalho pode parecer uma formalidade, mas na prática essa anotação é o que define o direito a horas extras, adicionais noturnos, descanso semanal remunerado e até o respeito ao intervalo para almoço.
Nesse contexto, o artigo 74 da CLT estabelece as regras sobre como o empregador deve registrar os horários dos seus funcionários. E, depois da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), esse artigo passou por mudanças importantes, que afetam diretamente o controle de ponto e os direitos dos trabalhadores.
Neste artigo, você vai entender de forma clara e prática:
- O que diz o artigo 74 da CLT;
- Quais são as obrigações do empregador;
- O que é o ponto por exceção e por que ele pode ser perigoso;
- O que fazer se o controle de jornada não for feito corretamente;
- E quais são seus direitos caso você trabalhe fora da sede da empresa.
Sumário
O que diz o artigo 74 da CLT?
O caput do artigo 74 determina o seguinte:
“O horário de trabalho será anotado em registro de empregados.”
Ou seja, todo empregador deve manter controle dos horários de trabalho de seus funcionários, independentemente da forma — seja por anotação manual, ponto eletrônico ou outro método.
Esse controle é essencial porque garante segurança jurídica para os dois lados: para o trabalhador, que pode comprovar que trabalhou além da jornada contratada, e para a empresa, que pode demonstrar que respeitou os limites da lei.
Controle de ponto é obrigatório em todas as empresas?
Nem sempre. A obrigatoriedade do controle de ponto depende do número de empregados no estabelecimento. O §2º do artigo 74 esclarece:
“Para os estabelecimentos com mais de 20 (vinte) trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico (…), permitida a pré-assinalação do período de repouso.”
Ou seja, empresas com até 20 empregados não são obrigadas a fazer esse controle formal de horários. Isso não significa que o trabalhador perca seus direitos, mas dificulta a comprovação de horas extras, principalmente quando a empresa não mantém qualquer forma de registro.
Nas empresas com mais de 20 empregados, o controle de ponto é obrigatório, e deve ser feito diariamente, registrando os horários reais de entrada e saída.
O que é a pré-assinalação do intervalo?
A CLT permite que o empregador pré-assinale o intervalo intrajornada (como o horário do almoço). Isso significa que, em vez de anotar todos os dias que o trabalhador saiu para o almoço das 12h às 13h, por exemplo, esse intervalo pode vir pré-impresso no cartão-ponto.
Mas atenção: isso só é válido se o intervalo for realmente respeitado todos os dias. Se o trabalhador tiver que retornar mais cedo, ou se nem tiver tempo de fazer a pausa, a empresa não pode manter a pré-assinalação. Nesse caso, deve haver o registro real do que aconteceu.
Se a empresa continuar pré-assinalando de forma indevida, o trabalhador pode pleitear o pagamento do intervalo não concedido, com acréscimo de no mínimo 50% sobre o valor da hora normal.

E quem trabalha fora da empresa? Como funciona o controle de jornada?
O §3º do artigo 74 trata dessa situação:
“Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará do registro manual, mecânico ou eletrônico em seu poder, sem prejuízo do que dispõe o caput deste artigo.”
Isso quer dizer que, mesmo trabalhando fora da sede da empresa, o empregado continua tendo direito ao controle de jornada. A responsabilidade do controle continua sendo da empresa, mas pode ser feito por meio de:
- Cartão de ponto manual (com o trabalhador anotando os horários);
- Aplicativos de ponto eletrônico (via celular);
- Sistemas digitais com GPS e reconhecimento facial.
Portanto, não é verdade que quem trabalha externamente não tem direito a controle de ponto. A única exceção seria se o trabalhador realmente não tiver como ter o horário controlado (como no caso do artigo 62 da CLT, que trata de cargos de confiança e funções incompatíveis com controle).
O que é o ponto por exceção? E por que ele pode ser perigoso?
A grande novidade da Lei da Liberdade Econômica está no §4º do artigo 74, que diz:
“Fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.”
O ponto por exceção funciona assim: o trabalhador não precisa bater o ponto todos os dias. Presume-se que ele trabalhou no horário padrão (por exemplo, das 9h às 18h) e só anota quando houver uma exceção — como chegada atrasada, saída antecipada, ausência ou horas extras.
Apesar de parecer mais prático, esse modelo pode prejudicar o trabalhador, porque:
- A empresa deixa de registrar a realidade da jornada;
- Horas extras realizadas podem não ser anotadas;
- É mais difícil provar que o intervalo não foi respeitado;
- Diminui a transparência no controle de ponto.
Por isso, o ponto por exceção só pode ser adotado com a concordância expressa do trabalhador, por meio de acordo escrito, ou por convenção/acordo coletivo com o sindicato.
Se a empresa adotar esse modelo sem sua autorização, o ponto pode ser considerado inválido e você pode reivindicar todos os direitos decorrentes.
O que fazer se a empresa não faz controle de ponto?
Se a empresa for obrigada por lei a controlar a jornada — ou seja, se tiver mais de 20 empregados no estabelecimento — e não mantiver qualquer forma de registro de ponto, ela está descumprindo diretamente o que determina o §2º do artigo 74 da CLT.
E isso tem consequências jurídicas importantes: em caso de processo trabalhista, essa ausência de controle gera uma presunção favorável ao trabalhador. Em outras palavras, o juiz pode presumir que a jornada alegada pelo empregado é verdadeira, desde que seja plausível e haja alguma coerência ou indício de prova.
Isso acontece porque o ônus de provar os horários é do empregador, quando há obrigação legal de controle.
Se ele não apresenta os cartões de ponto, a Justiça pode entender que o trabalhador tem razão ao declarar que fazia horas extras ou não tinha intervalo.
Além disso, a falta de controle dificulta a defesa da empresa e dá mais força a provas testemunhais, como colegas de trabalho que confirmem a jornada real praticada.
O controle de ponto adulterado é fraude?
Sim. Quando a empresa manipula os horários registrados para esconder horas extras, suprimir jornadas exaustivas ou ocultar a ausência de intervalo, estamos diante de uma fraude trabalhista.
É comum, por exemplo, a empresa fazer o trabalhador bater o ponto e continuar trabalhando. Isso é ilegal, e o trabalhador pode exigir o pagamento das horas extras efetivamente trabalhadas, com os devidos reflexos.
Inclusive, o artigo 9º da CLT estabelece que todo ato fraudulento é nulo de pleno direito, o que significa que, se for comprovada a adulteração, o ponto não vale como prova — e a palavra do trabalhador ganha mais força.
Conclusão
Fique atento ao controle de ponto
O artigo 74 da CLT trata de algo essencial para a vida do trabalhador: o registro da jornada de trabalho. É com base nesses registros que o trabalhador consegue exigir horas extras, intervalos, adicionais noturnos e até o respeito ao limite legal de 44 horas semanais.
Com as mudanças trazidas pela Lei da Liberdade Econômica, ficou mais fácil para as empresas flexibilizarem o controle de jornada. Mas isso não significa que o trabalhador perdeu direitos. Pelo contrário: agora é ainda mais importante conhecer a lei e saber quando algo está errado.
Se você trabalha em uma empresa com mais de 20 empregados e não tem controle de ponto, ou se o controle é fraudado ou feito por exceção sem o seu consentimento, procure orientação jurídica. Muitas vezes, é possível pleitear o pagamento de horas extras e de todos os direitos decorrentes da jornada real — mesmo que você nunca tenha registrado um ponto na vida.

Advogado Trabalhista natural de Curitiba, atua somente na defesa dos trabalhadores, graduado pela Faculdade de Educação Superior do Paraná, inscrito na Ordem dos Advogados do Paraná sob o número 98.914.