Artigo 74 da CLT: o que diz a lei sobre o controle de jornada de trabalho e por que isso importa para o trabalhador

O controle da jornada de trabalho é uma das principais garantias do trabalhador com carteira assinada. Saber quando se entra e quando se sai do trabalho pode parecer uma formalidade, mas na prática essa anotação é o que define o direito a horas extras, adicionais noturnos, descanso semanal remunerado e até o respeito ao intervalo para almoço.

Nesse contexto, o artigo 74 da CLT estabelece as regras sobre como o empregador deve registrar os horários dos seus funcionários. E, depois da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), esse artigo passou por mudanças importantes, que afetam diretamente o controle de ponto e os direitos dos trabalhadores.

Neste artigo, você vai entender de forma clara e prática:

  • O que diz o artigo 74 da CLT;
  • Quais são as obrigações do empregador;
  • O que é o ponto por exceção e por que ele pode ser perigoso;
  • O que fazer se o controle de jornada não for feito corretamente;
  • E quais são seus direitos caso você trabalhe fora da sede da empresa.

O que diz o artigo 74 da CLT?

O caput do artigo 74 determina o seguinte:

“O horário de trabalho será anotado em registro de empregados.”

Ou seja, todo empregador deve manter controle dos horários de trabalho de seus funcionários, independentemente da forma — seja por anotação manual, ponto eletrônico ou outro método.

Esse controle é essencial porque garante segurança jurídica para os dois lados: para o trabalhador, que pode comprovar que trabalhou além da jornada contratada, e para a empresa, que pode demonstrar que respeitou os limites da lei.

Controle de ponto é obrigatório em todas as empresas?

Nem sempre. A obrigatoriedade do controle de ponto depende do número de empregados no estabelecimento. O §2º do artigo 74 esclarece:

“Para os estabelecimentos com mais de 20 (vinte) trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico (…), permitida a pré-assinalação do período de repouso.”

Ou seja, empresas com até 20 empregados não são obrigadas a fazer esse controle formal de horários. Isso não significa que o trabalhador perca seus direitos, mas dificulta a comprovação de horas extras, principalmente quando a empresa não mantém qualquer forma de registro.

Nas empresas com mais de 20 empregados, o controle de ponto é obrigatório, e deve ser feito diariamente, registrando os horários reais de entrada e saída.

O que é a pré-assinalação do intervalo?

A CLT permite que o empregador pré-assinale o intervalo intrajornada (como o horário do almoço). Isso significa que, em vez de anotar todos os dias que o trabalhador saiu para o almoço das 12h às 13h, por exemplo, esse intervalo pode vir pré-impresso no cartão-ponto.

Mas atenção: isso só é válido se o intervalo for realmente respeitado todos os dias. Se o trabalhador tiver que retornar mais cedo, ou se nem tiver tempo de fazer a pausa, a empresa não pode manter a pré-assinalação. Nesse caso, deve haver o registro real do que aconteceu.

Se a empresa continuar pré-assinalando de forma indevida, o trabalhador pode pleitear o pagamento do intervalo não concedido, com acréscimo de no mínimo 50% sobre o valor da hora normal.

E quem trabalha fora da empresa? Como funciona o controle de jornada?

O §3º do artigo 74 trata dessa situação:

“Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará do registro manual, mecânico ou eletrônico em seu poder, sem prejuízo do que dispõe o caput deste artigo.”

Isso quer dizer que, mesmo trabalhando fora da sede da empresa, o empregado continua tendo direito ao controle de jornada. A responsabilidade do controle continua sendo da empresa, mas pode ser feito por meio de:

  • Cartão de ponto manual (com o trabalhador anotando os horários);
  • Aplicativos de ponto eletrônico (via celular);
  • Sistemas digitais com GPS e reconhecimento facial.

Portanto, não é verdade que quem trabalha externamente não tem direito a controle de ponto. A única exceção seria se o trabalhador realmente não tiver como ter o horário controlado (como no caso do artigo 62 da CLT, que trata de cargos de confiança e funções incompatíveis com controle).

O que é o ponto por exceção? E por que ele pode ser perigoso?

A grande novidade da Lei da Liberdade Econômica está no §4º do artigo 74, que diz:

“Fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.”

O ponto por exceção funciona assim: o trabalhador não precisa bater o ponto todos os dias. Presume-se que ele trabalhou no horário padrão (por exemplo, das 9h às 18h) e só anota quando houver uma exceção — como chegada atrasada, saída antecipada, ausência ou horas extras.

Apesar de parecer mais prático, esse modelo pode prejudicar o trabalhador, porque:

  • A empresa deixa de registrar a realidade da jornada;
  • Horas extras realizadas podem não ser anotadas;
  • É mais difícil provar que o intervalo não foi respeitado;
  • Diminui a transparência no controle de ponto.

Por isso, o ponto por exceção só pode ser adotado com a concordância expressa do trabalhador, por meio de acordo escrito, ou por convenção/acordo coletivo com o sindicato.

Se a empresa adotar esse modelo sem sua autorização, o ponto pode ser considerado inválido e você pode reivindicar todos os direitos decorrentes.

O que fazer se a empresa não faz controle de ponto?

Se a empresa for obrigada por lei a controlar a jornada — ou seja, se tiver mais de 20 empregados no estabelecimento — e não mantiver qualquer forma de registro de ponto, ela está descumprindo diretamente o que determina o §2º do artigo 74 da CLT.

E isso tem consequências jurídicas importantes: em caso de processo trabalhista, essa ausência de controle gera uma presunção favorável ao trabalhador. Em outras palavras, o juiz pode presumir que a jornada alegada pelo empregado é verdadeira, desde que seja plausível e haja alguma coerência ou indício de prova.

Isso acontece porque o ônus de provar os horários é do empregador, quando há obrigação legal de controle.

Se ele não apresenta os cartões de ponto, a Justiça pode entender que o trabalhador tem razão ao declarar que fazia horas extras ou não tinha intervalo.

Além disso, a falta de controle dificulta a defesa da empresa e dá mais força a provas testemunhais, como colegas de trabalho que confirmem a jornada real praticada.

O controle de ponto adulterado é fraude?

Sim. Quando a empresa manipula os horários registrados para esconder horas extras, suprimir jornadas exaustivas ou ocultar a ausência de intervalo, estamos diante de uma fraude trabalhista.

É comum, por exemplo, a empresa fazer o trabalhador bater o ponto e continuar trabalhando. Isso é ilegal, e o trabalhador pode exigir o pagamento das horas extras efetivamente trabalhadas, com os devidos reflexos.

Inclusive, o artigo 9º da CLT estabelece que todo ato fraudulento é nulo de pleno direito, o que significa que, se for comprovada a adulteração, o ponto não vale como prova — e a palavra do trabalhador ganha mais força.

Conclusão

Fique atento ao controle de ponto

O artigo 74 da CLT trata de algo essencial para a vida do trabalhador: o registro da jornada de trabalho. É com base nesses registros que o trabalhador consegue exigir horas extras, intervalos, adicionais noturnos e até o respeito ao limite legal de 44 horas semanais.

Com as mudanças trazidas pela Lei da Liberdade Econômica, ficou mais fácil para as empresas flexibilizarem o controle de jornada. Mas isso não significa que o trabalhador perdeu direitos. Pelo contrário: agora é ainda mais importante conhecer a lei e saber quando algo está errado.

Se você trabalha em uma empresa com mais de 20 empregados e não tem controle de ponto, ou se o controle é fraudado ou feito por exceção sem o seu consentimento, procure orientação jurídica. Muitas vezes, é possível pleitear o pagamento de horas extras e de todos os direitos decorrentes da jornada real — mesmo que você nunca tenha registrado um ponto na vida.

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